29/02/2020

Vamos a matar, compañeros (1970 / Realizador: Sergio Corbucci)


Então vamos lá dar mais uma voltinha aos western’s zapatistas. Desta vez queremos recomendar-vos esta espécie de reprise refinada de “Il mercenário”. Uma revisão do mesmo Sergio Corbucci, que engendrou um quase remake com alterações estratégicas, objectivamente focadas na mudança de humor da história. Afinal é possível falar de temas sérios sem sermos demasiado sisudos, certo? Já li milhentas opiniões sobre o filme e existe uma espécie de facção que o desconsidera, mas pessoalmente ponho-me de parte. Acredito piamente que o objectivo do amigo Corbucci foi excepcionalmente conseguido e creio que isso aconteceu sobretudo pela substituição de Tony Musante pelo actor cubano Tomas Milian, que interpreta o simplório mas divertido Vasco.

Tomás Quintín Rodríguez, aka Tomas Milian.

Durante a Revolução Mexicana, um camponês chamado Vasco (Tomas Milian) inicia uma revolta no seu vilarejo ao matar o coronel do exército no comando. O líder rebelde e auto-nomeado General Mongo (José Bódalo) chega entretanto ao local e rapidamente promove Vasco a seu tenente. Quase paralelamente surge outro player em cena, Yodlaf Peterson (Franco Nero), um mercenário sueco chega ao México para vender armas ao General Mongo. O dinheiro para meter toda a engrenagem a trabalhar está trancado e apenas o professor Xantos (Fernando Rey) conhece a combinação. Xantos é o líder de uma contra-revolução estudantil que se opõe à violência e é mantido na prisão pelo exército dos Estados Unidos, depois de tentar obter financiamento dos EUA e não concordar em monopolizar toda a riqueza do petróleo de seu país. 

"Um dólar para o primeiro idiota que encontrar!" 

Como se percebe, trata-se de mais uma western de contornos políticos, os tais que acabaram no saco dos zapata westerns, que teve expoente máximo com "Quién sabe?" do Damiano Damiani. Tratavam-se de filmes com agendas política bem vincada, cheios de comentários sociais satíricos e que metaforicamente colocavam a acção na revolução mexicana da década de 1910, convocando quase invariavelmente um mercenário estrangeiro itinerante (neste caso sueco) e um camponês mexicano politicamente ingénuo. Sendo grande parte dos realizadores e argumentistas italianos simpatizantes socialistas ou comunistas, não seria de esperar qualquer outra coisa que não fosse um dedo apontado ao imperialismo americano então em crescente na guerra do Vietname (coloco um manifesto da época aí mais abaixo que ilustra bem as posições ditas mais radicalizadas).

Manifesto comunista italiano dos anos sessenta. 

Mas como disse lá atrás, apesar de todo este rastilho político, o elemento dominante deste filme é a comédia. De um lado temos o tal Vasco, um pobretana inculto e manipulável, transformado em bandido revolucionário que se emenda e assimila os princípios pacifistas de Xantos. Do outro temos o sueco, um mercenário disposto a vender os seus atributos a quem pagar mais. Um tipo sem escrúpulos, ora aliado aos bandidos de Mongo ora aos revolucionários Xantistas, sempre com o objectivo de lucrar. Pelo meio temos os americanos a tentar tirar proveito da situação. Ontem e hoje, sempre a mesma coisa. 

Yodlaf Peterson foi deixado para morrer, mas quem tem um amigo tem um tesouro.

O elenco é fantástico. Franco Nero é sempre óptimo (excepto no “Cipolla Colt”, toda a gente sabe que esse odeio profundamente) e Jack Palance tem um papel secundário mas marcante, porém quem toma conta das rédeas é o cubano Tomas Milian. Um actor acima da média que poderi
a (deveria) ter cravado o seu nome ao lado dos maiores. Creio que ficou demasiado agarrado na sua zona de conforto, passando nos anos seguintes a actuar em toneladas de filmes estereotipados, muitos deles sem qualquer interesse (quem já viu o “Cane e gatto” sabe do que estou a falar).

General Mongo, revolucionário ou vigarista?

Como habitualmente acontece nos western’s de Sergio Corbucci, não faltam os caixões, mutilações ou metralhadoras, ao ponto de certas cenas serem descaradamente reedições de outras anteriormente usadas pelo próprio. Não é um modo operandi anormal, outros cineastas mais ou menos contemporâneos fizeram o mesmo. “Firecracker” é uma revisão aprimorada do blaxploitation “TNT Jackson”, ambos com o filipino Cirio H. Santiago na cadeira. Não faltam casos idênticos e entre isso ou um remake por um estranho qualquer, rejeitarei sempre a segunda opção.

Inteligente é o homem que sabe valorizar o que tem. Yodlaf  ainda não aprendeu a lição.

Quando comparado com outros Zapata western’s  como “Tepepa” (de Giulio Petroni e também com Milian) ou o já referenciado “Quien sabe?”, este “Vamos a matar, compañeros” perde em toda a linha mas ganha claramente para o tal irmão mais velho que tão descaradamente replica. Nesse embate a dois creio que só perde para trilha sonora (ambas do mestre Ennio Morricone), esta aqui é bastante orelhuda e garanto-vos que o refrão “vamos a matar companeros” vos vai ecoar na cabeça por muitos dias, mas fica aquém da profundidade da primeira, aquele assobio… 



Inacreditavelmente o filme está disponível no mercado DVD português, e já há bastantes anos, se calhar até já saiu de catálogo, não sei. É uma edição da Prisvideo e faz parte de uma colecção western spaghetti, que inclui outros clássicos que todos deviam ter em casa. O título dessa edição foi simplificado para “Companheiros” embora as edições VHS dos anos oitenta o retratem com o mais pujante e aproximado do original, “Vamos Matar companheiros” (confirme-se no blogue do Nuno Vieira). Em tempos recentes também passou a fazer parte da programação da Fox Movies Portugal, portanto estejam atentos!

VHS portuguesa. Foto da colecção privada do Nuno Vieira (fonte).

4 comentários:

  1. Para mim, "Il Mercenario" é melhor do que este filme. No entanto, Tomas Milian é muito melhor do que Tony Musante. Franco Nero faz o mesmo papel em ambos os filmes (passa apenas de polaco para sueco).
    A boina de Milian é uma clara alusão a Che Guevara. Curiosamente, o personagem Vasco tem uma boina que, em Espanha (mais especificamente no país basco), essa mesma boina chama-se "basco".

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  2. Sergio Corbucci é o 2.º realizador mais mencionado neste blogue. Com esta, são já 10 resenhas escritas sobre filmes de Corbucci.
    Fica apenas atrás de Demofilo Fidani.

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