8.13.2018

Antonio das Mortes (1969 / Realizador: Glauber Rocha)

A minha primeira memória sobre cangaceiros foi durante a minha infância. No final dos anos 1980, na televisão pública portuguesa, passava a série brasileira “Grande Sertão: Veredas”, com os atores Tony Ramos e Bruna Lombardi. Os personagens dessa série deixavam-me fascinado porque andavam a cavalo pelo Sertão, tinham chapéus, tinham cinturões carregados de balas e exibiam espingardas e revólveres dentro dos coldres. Aquilo para mim era um western autêntico, embora eu tivesse a noção que na realidade era algo diferente. Mas eu não queria saber disso! Havia tiroteio, havia duelos… tanto melhor! Anos mais tarde, enquanto leitor de banda desenhada, descobri “Mister No”, um personagem criado pelo italiano Sergio Bonelli em 1975. Bonelli amava o Brasil e as aventuras de Jerry Drake, vulgo Mister No, aconteciam na Amazónia e no nordeste brasileiro. Enfrentou, por exemplo, temíveis cangaceiros nas aventuras “O Último Cangaceiro” e “Morte no Sertão”.

António das Mortes, o justiceiro do Sertão.

O realizador brasileiro Glauber Rocha fazia questão de incluir os seus ideais políticos nos seus filmes. “António das Mortes” é uma obra que critica a interferência política norte-americana nos países da América Latina (estávamos em plena Guerra Fria), fala da reforma agrária, da indústria e critica a ditadura brasileira (“respeita Deus e o Governo!”), alguém salienta. São mencionados personagens da história e da mitologia brasileira (Lampião, Corisco); temos muito folclore brasileiro (procissões, danças, cânticos regionais, canções) e todo o filme está recheado de símbolos cristãos e pagãos.

Muitos cangaceiros!!

Na humilde localidade brasileira de Jardim das Piranhas, o protagonista, António das Mortes, é contratado pelo velho Coronel e pelo seu ajudante Batista para os proteger contra os bandidos cangaceiros liderados pelo Capitão Coirana. António e Coirana defrontam-se num duelo mortal à catanada. António vence porque “ele é um cabra macho!”. Mas a vida dá muitas voltas e o Coronel decreta que António já não é seu empregado mas sim seu inimigo! O momento alto do filme é o tiroteio / massacre final “à la Peckinpah” entre António das Mortes e os jagunços do novo capataz Mata-Vacas. A crítica internacional foi positiva (ganhou o prémio de melhor realização no festival de Cannes) mas a ditadura militar brasileira não gostou, obviamente.

Beleza feminina no Sertão.

Nota final: o ator Maurício do Valle, que aqui interpreta o anti-herói António das Mortes, também era um rosto conhecido da minha infância: Maurício do Valle era o Delegado Feijó na célebre telenovela brasileira “Roque Santeiro”, que tanto sucesso teve em Portugal.

“Jurando nas igrejas,
Sem santo padroeiro,
António das Mortes,
Matador de cangaceiro!”

11 comentários:

  1. Para quem não se lembra da série brasileira "Grande Sertão - Veredas", eis um breve exemplo disponível no YouTube:

    https://www.youtube.com/watch?v=tGprjIePCtg

    ResponderEliminar
  2. E para quem não conhece o personagem da BD "Mister No", eis o link oficial da Sergio Bonelli Editore:

    http://shop.sergiobonelli.it/scheda/5385/Mister-No.html

    ResponderEliminar
  3. Eu ainda me lembro dessa série. Nada má para aquilo que estávamos habituados via Brasil. Uma curiosidade, o Netflix Brasil lançou este ano um filme deste sub-genero, e vai lá entender-se usaram um Português para actor principal. Eu ainda não vi, mas dizem que não é mau e que até respeita a história.

    ResponderEliminar
  4. Nosso faroeste foi apelidado carinhosamente por aqui de "Nordestern" e "feijoada western"..hahaha.. gosto dos filmes sobre o cangaço e tenho alguns na coleção, mas o meu preferido é italiano O Cangaçeiro com Tomas Milian, ainda que muitos dos filmes nacionais sobre isso eram bons.Talvez faça um top tem dos meus preferidos lá no blog.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Força nisso, um top temático é uma grande ideia.

      Eliminar
    2. Ainda não vi esse filme Pedro, ele é de 2017 e parece ser bom. Nessa seara de "faroeste" brasileiro vou indicar um de cangaceiros muito bom "Corisco, o Diabo Loiro" de 1969 no auge do subgênero e é com o mesmo ator de Antonio das Mortes.

      Eliminar
  5. A designação "feijoada western" já tinha ouvido falar mas desconhecia o termo "Nordestern", mas é bem adequado.
    Eu não gostei muito do filme "O Cangaceiro" com Tomas Milian. Acho que "António das Mortes" mostra ao público o tema do cangaço de maneira muito mais genuína.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Já sei que a fase tribal dos Sepultura não te agrada mas tens de ouvir a malha "Cangaçeiro" do Max Cavalera via Soulfly.

      https://youtu.be/8uywdTSVkUc

      Eliminar
    2. Realmente Emanuel, concordo com você, mas o filme captou de maneira perfeita o espírito do subgênero brasileiro. Mas nenhum diretor brasileiro teria a ideia de um cangaceiro que quer vingar a morte de sua vaquinha..hahahaha..além do visual do Tomas Milian com aquele cabelo black power! os filmes de cangaço nacional não tinha o mesmo senso de humor.

      Eliminar
    3. Exatamente. São esses pormenores que fazem a diferença e tornam o filme com Tomas Milian pior. Aliás, a ideia que um temível cangaceiro com uma cabeleira à Shaft querer começar um conflito só porque mataram a sua vaca é simplesmente ridículo.

      Eliminar