1.09.2012

Os spaghettis da minha vida | Aprigio Alves de Oliveira Filho


Convidámos recentemente o amigo Aprigio Alves de Oliveira Filho a interagir connosco. Amante do género e presença habitual no nosso blogue, ele não se poupou em palavras na hora de escolher os seus westerns-spaghetti favoritos. Fiquemos então a conhece-lo um pouco melhor:


Inicialmente eu gostaria de agradecer a oportunidade que me foi concedida para apresentar minhas preferências no gênero, nesse que talvez seja o maior blog dedicado ao Eurowestern (ou Bang Bang à italiana). Meu contato com o Western Spaghetti começou no final da década de 70 quando a Rede Globo acrescentou à sua programação o Bang Bang á italiana, às sextas-feiras, no horário das 11:30 da noite (na verdade os filmes já começavam quase meia-noite). Como era muito tarde e não tínhamos televisão perdemos os primeiros que foram exibidos (muitos desses filmes já tinham sido exibidos no cinema da cidade, o Timbira e o Íris principalmente, mas isso passou despercebido para nós porque não existia na família a cultura de freqüentar o cinema- meu pai não dava importância e só mais tarde pude assistir a alguns poucos), mas depois muitos foram reapresentados pela própria Globo e outras emissoras.

Eu tinha por volta de catorze anos e não dei muita importância, mas por insistência de meu irmão mais velho resolvemos assistir o primeiro que foi “Chamam-me Trinity” e de imediato fui transportado para um outro universo. Fiquei totalmente impressionado e hipnotizado pelas imagens do filme. A forma de a câmera enquadrar os atores (eu não sabia definição técnica, mas, sentia que era a forma de enfatizar a ação) ,a música com o assobio e uma fotografia com um tipo de cor que puxava a gente para dentro do filme. O interessante é que assistimos numa TV em Prêto e branco, mas dava para perceber um matizamento diferente na cor da fotografia, em relação aos filmes que eu já havia assistido (todos americanos).

O próximo foi o “Dólar furado”, cujo diretor assinava Kelvin Jackson Padget (pensei que era francês), e cujo protagonista era um tal de Montgomery Wood (mas as chamadas anunciavam Giuliano Gemma, só que esse nome não aparecia nos créditos. Na verdade eram a mesma pessoa). Não achei tão bom quanto Trinity, no entanto fiquei fascinado pela abertura que era (e é) como o resumo da própria história que se passava no filme com a representação em forma de desenho animado, ou melhor, pintura animada. A seguir vieram os outros e com as reapresentações consegui ver muitos que eu havia perdido na primeira exibição. Como gostava de desenhar passei a prestar bem a atenção nas aberturas e conseguia às vezes reproduzir quase fielmente aqueles desenhos esquálidos, nuançados, que se movimentavam como se estivessem dançando ao som da música. Ainda possuo alguns desses desenhos. Veio-me uma sede de saber cada vez mais sobre aqueles filmes, onde eram produzidos, etc. Não tinha ouvido falar ainda de Cinecitá, Centauro filmes, Estúdios Balcazar e outros mais situados na Europa. Procurava em jornais que conseguia em algum lugar, algum comentário, artigo, mas nada, era um deserto total. Somente na coluna destinada à programação dos filmes da TV escolhidos para o dia aparecia um comentariozinho, bem resumido. Mas sobre filmes americanos abundavam artigos e tudo o mais. Existiam os amigos que também eram fãs.

Depois comecei a encontrar pessoas que detestavam e desciam o pau, dizendo que só tinha violência e conteúdo nenhum, e isso me deixava triste e indignado, porque conseguia enxergar outras coisas. Não tinha o conhecimento técnico, mas, percebia algo mais, mensagens, recados subjacentes, escondidos por baixo de toda aquela violência. Hoje sei que essas pessoas são os chamados “entendedores”, que não entendiam de nada, na verdade. Sempre gostei muito de História e um dos eventos que mais me fascinava era o Renascimento (E continua fascinando) Científico e Cultural que explodiu na Itália e se expandiu para outros países, e vendo os filmes percebi que muitos diretores buscavam, inconsciente ou conscientemente mesmo, se aproximar das características artísticas daquele movimento. Resolvi então fazer o curso de História o qual já concluí e agora pretendo ir mais longe com o mestrado. Não me considero um especialista, mas apenas um humilde pesquisador, autodidata na área, e ainda tenho muito que galopar para descobrir mais coisas.

Descobri meio por acaso seu blog e comecei a acessar constantemente em busca de mais subsídios. Achei que seria o meio de veicular minhas dúvidas, inquietações e também dar minhas contribuições. Descobri o link que remete para o blog do pesquisador Edelzio Sanches, -uma personalidade importante e generosa nesse segmento que está doando para nós muito do seu acervo particular- entrei em contato com ele e passei a dar minhas colaborações, contribuindo de alguma forma com comentários e algumas polêmicas (que vocês já devem estar a par).

Mas vamos ao que interessa que são os filmes. Minha lista basicamente segue na mesma linha das outras, não obstante levando em conta o critério técnico, da qualidade das obras. Foi uma tarefa difícil, assim como foi para os outros spaghettianos, porque pelo menos sete ou oito filmes que ficaram de fora poderiam igualmente ocupar o lugar dos outros escolhidos, com exceção apenas de “Era uma vez no Oeste”, “Três homens em conflito” e “Vigliacchi non pregano” que não abro mão. Aqui estão eles:


Os 10 favoritos:

01 | I vigliacchi non pregano | Mario Siciliano | 1968

O contexto é o final da guerra de Secessão americana quando os soldados, tanto perdedores como vencedores, retornam a suas vidas normais (ou tentam retornar). O país encontra-se destroçado física e moralmente o que dá margem a arbitrariedades de todo tipo, incluindo comportamentos sádicos perpetrados por soldados do norte(União)contra pessoas indefesas. Bryan (Gianni Garko), que foi um combatente pelo Sul reencontra sua esposa, mas nesse momento estranhos batem à sua porta a pretexto de descansar, entram dissimuladamente, mas não demoram para mostrar as suas reais intenções. Estupram e matam a mulher , atiram em Bryan e incendeiam a casa. Este é salvo por Daniel (Ivan Rassimov ou Sean Todd) que passa a procurar desesperadamente pelos assassinos dos quais tem apenas a trágica lembrança de uma estrela que brilha intensamente. Os assassinos jamais serão encontrados e Bryan transtornado começa a matar sob o menor pretexto (e sempre que à lembrança aparece a estrela da “justiça”), incluindo o irmão de seu salvador. Nesse momento sua tragédia ganha contornos ainda mais dramáticos. Esse drama é registrado por uma câmera precisa, com enquadramentos perfeitos (milimetricamente calculados) e uma fotografia nuançada onde as composições se insinuam como pinturas. Jogo de sombras e iluminação perfeitos. A trilha sonora de Manuel Parada executada por Gianni Marchetti parece fluir das imagens, semelhante ao que ocorre com as de Morricone. E ainda tem a mais bem filmada cena de briga de todos os tempos entre as duas personagens principais. Belíssimo, belíssimo. Os rostos expressivos de Sean Todd e Garko parecem pintados em close-up. Não só um dos melhores spaghettis, mas um dos maiores filmes de todos os tempos.


02 | C'era una volta il West | Sergio Leone | 1968

Logo depois de ter realizado sua primeira obra prima “Três homens em conflito” (1966) o perfeccionista/renascentista Leone perpetrou mais essa, com um grau de refinamento ainda maior. O roteiro e a arquitetura formal do filme já foram dissecados à exaustão, mas sempre novas inferências podem ser feitas. Sir Christopher Fryling cunhou o termo “retórica leoniana” ao referir-se às citações e aos discursos indiretos constantes em todas as obras do mestre. Eu iria mais longe e diria que existe sempre uma dialética leoniana, inédita, revolucionária, da imagem e do conteúdo. Primordialmente a dialética que se explicita no antagonismo entre a concepção do antigo (os filmes clássicos americanos) e a moderna (crítica) visão proposta por Leone, de onde surge a síntese, que é uma estética nova, revolucionária com o seu próprio devir (proposta de mudanças conceituais). Secundariamente a dialética implícita no confronto entre as personagens. Quatro personagens de naturezas distintas e motivações idem, das mais marcantes do cinema, revestidas com o mais barroco dos coloridos leonianos: Harmônica (Charles Bronson) é o mestiço que foi forçado a provocar a morte de seu próprio irmão ao som de uma gaita e vive obcecado pela idéia da vingança. Frank o psicopata que pode matar apenas por ouvir seu próprio nome: “Já que você falou o meu nome”. Cheyenne (Jason Robards) o bandido charmoso e romântico, de andar elegante. Gil (Claudia Cardinale) a bela ex-prostituta que chega e em breve se tornará uma dama, a Sra McBain. Mr. McBain(Frank Wolff) quer construir uma grande fazenda ao lado de sua esposa (a ex-prostituta Gil), mas os interesses da burguesia emergente (bem representado por Morton (Gabrielle Ferzetti) também pretendem construir uma ferrovia atravessando o país de Leste a Oeste. Inevitavelmente acontece o conflito entre esses interesses divergentes. O capitalismo vem na velocidade do trem a vapor e os galopes dos antigos pioneiros serão atropelados pelo “progresso”. O dinheiro paga a violência quando o diálogo não é suficiente. Leone concebeu sobre essa história um afresco extraordinário sobre um capítulo da História americana. Aqui seu Leonecolor já está perfeitamente definido, o que se evidencia quando ele mistura as cores como um verdadeiro pintor do renascentismo. Torna-se dispensável aqui falar da importância da música de Morricone, que influenciaria até mesmo as novelas brasileiras, em que cada personagem tem seu próprio tema musical. O maior faroeste já realizado e muito provavelmente o maior filme de todos os tempos.


03 | Il ritorno di Ringo | Duccio Tessari | 1965

O diretor Duccio Tessari traspôs para o ambiente do western a poesia mitológica da literatura de Homero, partindo da narrativa do seu segundo livro “A odisséia”. Ele construiu um roteiro livre, poeticamente dramático, consistente e até mesmo filosófico. No final da guerra de Secessão o capitão Montgomery Brown retorna para casa e encontra sua cidade dominada por um latifundiário extremamente ambicioso e cruel, Paco Fuentes (George Martin). Gradativamente ele se apodera das terras dos outros proprietários, incluindo as de Montgomery, e não se dando por satisfeito forja a morte deste e se apodera de sua esposa. Aos poucos tudo vai se revelando com muito suspense e romantismo, até o desfecho final. Este segundo western de Tessari é muito melhor que o anterior “Uma pistola para Ringo”; aqui ele decidiu fazer algo diferenciado que marcasse seu nome. Mas porque não tomou essa atitude no primeiro? Giuliano Gemma (Montgomery/Ulisses) apresenta nesse spaghetti talvez a melhor interpretação de sua carreira; os outros atores semelhantemente desempenharam muito bem seus papéis. A fotografia de Francisco Marín inspiradíssima que procurou dentro das limitações físicas próprias fazer a correspondência entre a paisagem do velho oeste e o ambiente do mundo antigo (no caso a Grécia). A caracterização dos atores-maquiagem e figurinos despojados- procurou do mesmo modo se aproximar da simplicidade da época referida. O penteado dos atores (cabelos bem pretos e baixos) foi feito propositadamente para se parecer com o das personagens gregas. Um filme lindo, poético e filosófico.


04 | Il buono, il brutto, il cattivo | Sergio Leone | 1966

Por muitos considerado o maior faroeste de todos os tempos, impecável na estética e no roteiro. Em algumas listas chega a aparecer liderando, acima de "Era uma vez no Oeste". É um duelo realmente épico de gigantes, brigando pelo posto de melhor de todos os tempos, e ainda por cima tendo a marca de um mesmo autor. Nesse seu terceiro filme Sergio Leone consolida seu estilo renascentista, barroco, multifacetado. O roteiro nos apresenta três personagens solitários, errantes, distintos em personalidades, que não obstam por força das conveniências que seus caminhos se unam para conseguir um único objetivo, encontrarem uma fortuna em ouro dos confederados. A guerra civil é só o pano de fundo ou mesmo o substrato para uma análise das principais facetas psicológicas do ser humano que se manifestam em circunstâncias críticas da vida, ou seja, nesse nosso mundo material e real a necessidade econômica determina os comportamentos, ou faz surgir certas nuanças psicológicas até então subjacentes. Leone propõe um espectro analítico-psicológico do ser humano, colocando num extremo um sujeito “bom” e no outro extremo um sujeito “mau”, intercalando-colocando no meio- propositadamente um sujeito atípico, o “feio”,demolindo assim o estereótipo clássico. Entre eles podem existir outros tipos, o compreensivo, o temperamental, o inconstante, etc. Nenhum deles é totalmente bom e nem totalmente mau, e todos ao mesmo tempo carregam sua dose de fealdade. É do conflito entre as três personalidades que surgirá proposições novas, outras configurações psicológicas determinantes no plano material. A dialética Leoniana já está bem configurada aqui, parecendo ecoar Marx: “Primeiro a existência, depois a consciência.” Planos exuberantes, alternados com panorâmicas, adornados com close-ups radicalmente barrocos de onde flui uma música de outro mundo, acrescentando a grandiloqüência épica. Monumental e ainda insuperado. Uma frase proferida por Blondie (Clint Eastwood) para seu sócio/rival Tuco (Eli Wallach) pronto para ser enforcado, que ilustra bem a questão do materialismo impresso na ambição das personagens: “Existem dois tipos de homens no mundo, meu amigo, os que cavam e os que carregam”. Os que cavam são os trabalhadores que trabalham arduamente, enquanto os patrões (com as honrosas exceções) avarentos carregam (ou ficam) com quase tudo; ou mesmo o ladrão que chega furtivamente e carrega tudo que o empresário (e seus empregados) acumulou. Ou o “amigo” que rouba tudo que o outro acabou de escavar (mas que foi produzido por outros a duras penas).



05 | Il grande silenzio | Sergio Corbucci | 1968

Depois de realizar "Django" e "Navajo Joe", ambos de 1966, Corbucci passou a se tornar cada vez mais conhecido, mas não tanto quanto o outro Sergio, o Leone. Mas as coisas começavam a mudar. Em Il grande silenzio o diretor foi bem mais ambicioso e cuidadoso na elaboração do roteiro e na composição imagética. Apresenta um argumento com um engajamento social mais definido e uma fotografia (Silvano Ippolitti) mais realística, quase documental em planos mais enxutos e reflexivos. Em Snow Hill impera a opressão de um rico comerciante que paga a pistoleiros profissionais para matar supostos foras da lei (na verdade habitantes postos à margem a sociedade por não terem ocupação) que vivem refugiados nas florestas recobertas de neve. Silence (Jean Louis Tritignant) que teve sua língua cortada quando ainda era menino para não denunciar a morte injusta de seu pai (provavelmente obrigado pelas condições de desemprego a se tornar um assaltante) chega e aceita a oferta da viúva de um negro, Pauline. O marido desta fora morto por Loco (Klaus Kinsky) e ela quer se vingar de qualquer forma. Silence tem a chance de matar Loco, mas não o faz e no desenrolar das ações envolve-se com a viúva se apaixonando por ela. Corbucci dá contornos ainda mais dramáticos quando junta os dramas de ambos: um homem solitário em busca de vingança encontra conforto nos braços de uma viúva que também quer justiçar o marido perdido. A junção de dois tristes destinos. Mais triste ainda porque Silence frustra a expectativa de Pauline e sucumbe impotente diante de Loco. Corbucci alterou drasticamente os chamados finais clássicos em que os bons nunca morrem, chocando o público e a crítica. Muitos não gostaram e não gosta desse final (mas existe um final alternativo que o diretor preparou às pressas). Mas eu faço uma pergunta: quem garante que um acontecimento dessa espécie, improvável, não possa ter ocorrido lá nos recônditos do velho oeste? Quién sabe?


06 | Il mio nome ès Nessuno | Tonino Valerii | 1973

Depois do fracasso financeiro de era uma vez no Oeste nos EUA e dos cortes que sua obra prima sofreu Leone resolveu que não faria mais faroestes. Tinha outras ambições agora, mas de qualquer forma ele poderia desempenhar apenas o papel de produtor de westerns passando a direção para outros. E foi o que fez escalando seu pupilo Tonino Valerii para dirigir Meu nome é ninguém. O resultado foi um delicioso e não menos sofisticado spaghetti western com ingredientes de comédia (mas cuidado, não é a típica comédia hollywoodiana). Valerii em combinação com o roteirista Gastaldi (deve ter recebido sugestões de Leone, com toda certeza) propuseram fazer um contraponto entre as duas personagens principais. Beauregard (Henry Fonda) é sério, calado e reflexivo; Nobody (Terence Hill)encarna o camarada vagabundo, brincalhão e gozador que tira sarro daqueles que tentam lhe surpreender. Pode-se afirmar também que estabelecem o contraponto entre o antigo, o modelo de cowboy dos faroestes americanos e o modelo moderno proposto pelos autores italianos, ao tempo que afirmam o final de uma era representada por aquele modelo. No entanto Nobody tem também o lado sério e altruísta quando insiste o tempo todo para que seu ídolo (que é a representação do antigo) enfrente o Wild Bunch, porque quer vê-lo entrar para a história. A violência e o humor são também pretextos para passar um mensagem muito bonita de força quando nos encontramos desanimados. Devemos lutar contra uma multidão de problemas se quisermos triunfar. E a carta de Beauregard para Nobody no final? A trilha sonora dispensa comentários (uma das melhores do homem, Valquiries então, que diga-se de passagem, é uma versão mais agressiva de Die Walkure de Richard Wagner). A fotografia apresenta grande porcentagem em primeiro plano (eu realmente sou fissurado por esse fundamento). As citações abundam como não poderia deixar de ser. Excelente.


07 | La resa dei conti | Sergio Sollima | 1966

Quando o diretor Sergio Sollima estreou com o seu primeiro spaghetti ainda era mais desconhecido do que Leone quando fez “Por um punhado de dólares”. Resolveu trilhar um caminho diferente do seu colega homônimo; o caminho do engajamento com objetivos claros de ganhar a crítica. Ele se parte então para a análise da opressão social dos ricos sobre os pobres. Um atirador famoso e caçador implacável, Jonathan Corbett ( Le Van Cleef) é contratado por um magnata Bronson (Walter Barnes) americano para caçar um mexicano acusado de estuprar e matar uma menor. Ele pretende estender suas estradas de ferro sobre o México e por conseguinte seu monopólio comercial e político. No entanto um obstáculo se interpõe aos seus objetivos. Precisa capturar e matar o famigerado Cuchillo (Tomas Millian) de qualquer jeito para que moral do deu “ilibado” genro fique imune de qualquer mancha. O início parece conduzir para uma trama fraca tipo uma comédia farsesca, mas num determinado ponto o filme vai crescendo, crescendo e as mensagens políticas vão se explicitando no confronto entre as personagens. Corbett que além de rápido no gatilho é bem arguto no raciocínio vai percebendo que está servindo ao joguete político do magnata. No aspecto formal Sollima optou por uma montagem mais solta e uma fotografia com tons mais suaves, sem os arroubos dos outros Sergios. Predomina os planos de conjunto, com muitos personagens compondo um mesmo quadro, mas interpolando closes incisivos e drásticos (Por exemplo a face de Corbert aparece em primeiro plano ao mesmo tempo que ouvimos os estampidos fortes do seu próprio revólver, depois corta par o plano intermediário). A cena final se inscreve como com uma das melhores do gênero com dois duelos antológicos. Primeiro entre Cuchillo e o genro de Bronston e depois entre o intrépido Corbert e o pedante barão Von Schulenberg (Gerard Herter). Neste último a música de Morricone foi claramente inspirada na 7ª sinfonia de Beethoven, numa alusão ao fato do barão ser austríaco. Uma obra prima.


08 | Da uomo a uomo | Giulio Petroni | 1967

Um grupo de quatro homens escolta uma diligência que tem à bordo 200.000 dólares e resolve passar a noite na fazenda Meceita até o outro dia quando deverão transportar o valor para um determinado banco. Um bando de assaltantes e assassinos está à espreita e vigia todos os movimentos dos homens da escolta e da fazenda. Desce, mata os quatro e depois invade a fazenda no momento em que a família está reunida com o objetivo de eliminar a todos. O chefe da família é morto ao tentar alcançar sua arma; O filho caçula assiste nas sombras ao estupro da irmã e da mãe e a morte de ambas. Na seqüência é puxado por alguém antes que a casa em chamas desabe sobre ele. O garoto, Bill Meceita (John Philipe Law), passa a viver sob os cuidados do xerife, amigo próximo de seu pai, aterrorizado pelas lembranças traumatizantes. Resolve treinar atirando em alvos na obsessão de encontrar os assassinos. Ryan (Le Van Cleef) é um dos que trabalhavam para o chefão do grupo, mas foi traído, acabou sendo condenado a trabalhos forçados. Sai da penitenciária com o propósito de encontrar cada um dos responsáveis pela sua condenação. Quando encontra Bill descobre que ele é o menino que salvou e se alia a ele ainda que com motivações diferentes. Spaghetti muito bem realizado, com seqüências que lembram “Por uns dólares a mais” (as semelhanças não são por acaso, porque o roteirista neste é também Luciano Vincenzoni) no que tange à relação entre os dois protagonistas caracterizada pela tensão e por uma colaboração que ocorre por força das circunstâncias. Aos poucos tudo vai se revelando com a ajuda do xerife; ele descobre que o dono do saloon, Burt Cavanaugh (Anthony Dawson), o “Quatro ases”, tem as tatuagens que ele viu no dia do massacre, o desmacara e mata num duelo de tirar o fôlego. Um filme que está á altura dos de Sergio Leone (os da trilogia) e dos de Corbucci e Sollima. Trama bem concatenada, misturando ação, suspense e terror. Fotografia enxuta num colorido deslumbrante e a música de Morricone, que mesmo não apresentando aquela riqueza temática costumeira, ainda assim dá conta do recado. Excelente.


09 | Le colt cantarono la morte e fu... tempo di massacro | Lucio Fulci | 1966

O primeiro western de Lucio Fulci antes de se celebrizar com as séries de filmes do gênero Giallo (estilo policial com serial killer) e do chamado subgênero Gore (Ultra terror) nas décadas de 70 e 80. Para um estranho no ninho ele se saiu para lá de bem. A estória tramada por ele e Fernando di Leo (que roteirizou para outros tantos Spaghetti) tem como eixo a questão latifundiária, da luta pela posse da terra. Scott (Giuseppe addobati0 é um grande proprietário de terras cuja ambição não tem limites e ainda para piorar a situação quem fica à frente dos negócio é seu filho sádico Júnior (Nino Castelnuovo numa interpretação hipnotizante), que não hesita em matar a sangue frio, para submeter a todos pelo terror (e que terror). Tom Corbert (Franco Nero) está fora trabalhando como mineiro e retorna depois de receber uma carta que dá conta do terrorismo de Jason Scott, o “Júnior”. Encontra tudo fora de lugar e seu irmão Jeff (George Hilton) jogado numa cama embriagado. A partir daqui Fulci dá sua grande contribuição ao gênero com sequências de suspense intercaladas de mistério e ação brutal. A arquitetura fílmica não tem o requinte dos filmes de Leone ou Corbucci, mas apresenta cenas de brigas bem coreografadas e estilizadas (das melhores do gênero), apresentando muito sangue, aspectos que não aparecia muito nos filmes dos diretores citados. Ele com certeza antecipa a violência que Peckinpah usaria bem depois, em 1969. O roteiro cria um jogo metafórico entre as personagens; Tom é um mineiro bruto, um lobo que surge do deserto pronto para atacar; Jeff é como um cão de rua , enjeitado,que fica com as sobras e júnior a ave de rapina, que paira insaciável, pronto para devorar a tudo e todos. A música de Lallo Gori enfatiza a dramaticidade da violência com suas vinhetas e a câmara de pallottini dispara zooms como se fossem marteladas para enfatizar o suspense sobre a fotografia. Ele nos reservou também um final inédito, original e surpreendente com os pombos que surgem voando logo após a queda do insano irmão de Tom, (parecem ter saído de dentro de Júnior como uma libertação da paz que estava presa) num efeito um tanto surrealista. Um dos pombos se destaca e voa em direção ao infinito anunciando a paz. Estilo de mestre. De arrepiar.


10 | Anda muchacho, spara! | Aldo Florio | 1971

O diretor Aldo Florio é um dos mais desconhecidos diretores do gênero, assim como Fabio Testi foi um dos atores menos assíduos também. Ou seja, ambos foram personalidades tardias no universo spaghettiano. O filme teve pouca repercussão devido a esse fator, coisa injusta tendo em vista a excepcional qualidade que possui a história do homem que junto com seu grande amigo Emiliano é vítima de um complô. Presos injustamente a partir de testemunhos falsos e condenados a trabalhos forçados, como escravos. E é o nome “Emiliano” que surgirá sempre de sua boca como se ecoasse dos próprios grilhões que os prendiam juntos. E esse nome é a própria sentença de morte dos responsáveis pela traição. Concomitantemente uma comunidade de mexicanos trabalha para Redfield como mineiros (Eduardo Fajardo) e é explorada praticamente como escravos. Além disso tem a maior parte do ouro extraído da mina extorquido pelo ganacioso empresário, Roy Greenford (Fabio Testi) consegue então fugir da prisão com o amigo citado, mas este não suporta o cansaço e acaba morrendo. Ao ser encontrado por Joselito (José Calvo), líder da comunidade este o escolhe como seu libertador, investindo nele uma parte do ouro que conseguiu escapar da ganância de Redfield e seus sócios Lawrence e Newman, que inclusive disputam a bela mexicana que foi usurpada da comunidade. Greenford é contratado ardilosamente por Redfield após demonstração de rara habilidade com o revólver. Com esse ato ele leva para dentro de seu covil seu pior inimigo. Greenford vai eliminando os algozes dele e de Emiliano um a um. Nesse filme notável temos uma escancarada homenagem a “Por um punhado de dólares” de Sergio Leone, no entanto o diretor Florio não se prende apenas a citações para enrolar. A história é outra, o contexto é outro e as motivações da personagem central também são outras. Suspense e mistério do início ao fim, enfatizados pelo flash backs e sublinhados pela música de Bruno Nicolai. Parecem existir duas histórias contadas paralelamente, porque o recurso do flash back é sempre recorrente, o que intensifica a dramaticidade. Meio parecido com o que Leone fez em “Era uma vez no Oeste” Grandes interpretações de Testi, Fajardo e toda a equipe de atores. Bravo Aldo Florio, uma obra prima à altura de “Por um punhado...”.



Joker: Do confronto entre idéias contrárias surge sempre algo novo!

Faccia a faccia | Sergio Sollima | 1967

O confronto entre a fera e o intelectual. O mais engajado dos spaghettianos fazendo ecoar de suas imagens épico-grandiloquentes a filosofia do mais ilustre dos pensadores marxistas, o italiano Antônio Gramsci. Esse intelectual criticou e aprofundou as idéias do criador do materialismo dialético, Karl Marx. E Sergio Sollima, também um italiano, por sua vez faz uma explanação à sua maneira das idéias de Gramsci. Do confronto entre idéias contrárias surge sempre algo novo, ou mesmo do dualismo ontológico que existe internamente no homem (seu conflito interior), ou seja , a luta incessante entre fazer o bem e fazer o mal, surge novas formas de ver a realidade, é o movimento, a mudança. O Brad que surge é a superação das contradições que existiam entre o antigo Brad e Beauregard Bennet. Ele passa a colocar o intelecto a serviço de uma nova forma de pensar a violência, para conseguir a sobrevivência; a violência se torna pensada, intelectualizada. Porque acima de tudo o homem é historicamente determinado pelas condições materiais de existência. Um western filosófico e uma obra prima.



A evitar: Desalento!


Di Tressette ce n'è uno, tutti gli altri son nessuno | Giuliano Carnimeo | 1974

Para mim as coisas ficaram mais difíceis na escolha daquele que eu acho o pior, porque justamente deixamos de assistir muitos, ou assistimos apenas um trecho quando percebemos que a qualidade ruim. Lembro de ter assistido ou tentado assistir alguns spaghettis ruins, mas parece que “Di tressette...” me deixou mais desalentado. Uma história confusa, complementada com interpretações caricaturais, onde se salvam uma ou duas cenas de ação e a música um tanto interessante. Realmente um filme absurdo como disse o Paulo Lopes.

17 comentários:

  1. Mais uma vez George Hilton ganha a medalha de cortiça com um honroso último lugar!

    ResponderEliminar
  2. George Hilton tinha um considerável talento poderia ter feito coisas melhores; deveria ter se aproximado dos melhores diretores do gênero,assim poderia ter atuado em filmes de qualidade superior. Parece que eu cometi um pequeno engano no nome do personagem de Walter Barnes em "La resa dei conti",digitando Bronston. tenho dúvidas se era Bronston, Broston ou Bronson. Terei que rever o filme.

    ResponderEliminar
  3. Apesar de alguns dos filmes dele serem bastante desinteressantes outros são míticos. O "Le colt cantarono la morte e fu... tempo di massacro" por exemplo, aparece com bastante regularidade nas listas já publicadas.

    Eu sou fã à séria do primeiro filme da saga "Aleluia", uma bandeira que orgulhosamente vou erguendo sozinho!

    @ Aprigio:

    Mais uma vez muito obrigado pela tua participação. Merece cada pixel aqui do nosso cantinho!

    --
    Pedro Pereira

    http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
    http://auto-cadaver.posterous.com

    ResponderEliminar
  4. Hilton, Hilton... ah, coitado. Anda a levar cacete por aqui, hein...

    E fico feliz por ver que o filme do Fulci anda a ganhar demasiado destaque por aqui. o/

    Excelente!

    ResponderEliminar
  5. Um belo top10, do qual ainda nem metade vi!

    Gosto muito da ideia deste blog, bom trabalho :)

    Cumprimentos

    ResponderEliminar
  6. Grande Aprígio!

    Excelente participação! Sua história com o eurowestern, a seleção dos filmes, as resenhas que escreveu, explicando e justificando cuidadosamente suas escolhas, tudo ficou muito bom. De um modo simples, eu diria que passa uma carga de emotividade e verdade impressionantes. Eu sabia que ele gostava do I vigliacchi non pregano, mas me surpreendi um pouco com o primeiro lugar. Mas não acho que chegue a ser um exagero. Quanto ao Hilton, o cara é bom. Tem filmes maravilhosos como os já citados aqui no post, mas fez alguns filmes bobos, o que não o torna mau ator. Eu concordo que Il Ritorno seja superior a Una Pistola, mas tem algo neste, que me atrai. O amigo Narrador Subjetivo pode assistir as sugestões do amigo Aprigio que só tem coisa boa.

    Abraço!

    LeMarc

    ResponderEliminar
  7. Amigo Pedro, vou rever o primeiro filme da saga Aleluia. Eu posso não ter prestado bem atenção nos detalhes. Se estiver sendo injustiçado,alguem vai ter que tomar a iniciativa e fazer justiça. Obrigado a todos.

    ResponderEliminar
  8. Grande historiador Aprígio.
    Um top 10 digno de quem curte mesmo o Espaghetti.
    "Le colt cantarono la morte e fu... tempo di massacro"
    Este no Brasil foi incrivelmente bem sucedido acho que justamente pela interpretação de Nino Castelnuovo (Junior) como ele citou. Todo mundo tinha vontade de pegar ele e esgana-lo.
    Ele fazia um típico alucinado cínico e folgado que todos odiavam. Até hoje reassistindo ao filme ainda da ódio por este personagem. Este mesmo ai apareceria em 1969 em "Um Exército de 5 homens" com a mesma cara de mau.

    ResponderEliminar
  9. Verdade. Revi esse filme ontem à tarde. Aquela postura de pescoço inclinado e sorriso psicótica faz de Junior Scott um dos grandes vilões do western-spaghetti.

    --
    Pedro Pereira

    http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
    http://auto-cadaver.posterous.com

    ResponderEliminar
  10. Caro LeMarc,das obras de Tessari eu escolhi "O retorno de Ringo" pelo fato d sr um filme de estrutura mais rigorosa, consentânea com as caractearística do gênero e também pela grande dose de romantismo do qual sou um partidário incorrigível. No entanto isso não diminue a importância de "Uma pistola para Ringo" no âmbito do movimento. São dois momentos distintos do mesmo diretor, que ao realizar o primeiro exemplar,um filme descontraído e até irreverente resolveu, resolveu investir em algo mais sério e autoral. Na verdade fui injusto quando levantei a questão: "...porque ele não tomou essa atitude logo no primeiro? Com isso estava tentando forçar o processo criativo do diretor no âmbito de um mesmo método, segundo minha visão. Tessari na verdade demonstrou criatividade ao mudar o processo de uma obra para outra. Uma pistola.. é um daqqueles spaghetti tipo "tudo por tudo" (Tutto per tutto) ou "Django dispara primeiro", que a gente deve assistir descontraída e despreocupadamente. Foi também uma grande escolha. E por falar em Tudo por tudo, por onde anda esse eurowestern com Damon e Irealnd?

    ResponderEliminar
  11. Os atores de Tudo por tudo são Mark Damon e John Ireland.Digitei o nome de Ireland errado,Irealnd.

    ResponderEliminar
  12. Desconheço esse "Tutto per tutto" mas tenho alguma curiosidade em vê-lo por ser da batuta do Umberto Lenzi. Acho que tenho um vhsrip que encontrei na net...

    --
    Pedro Pereira

    http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
    http://auto-cadaver.posterous.com

    ResponderEliminar
  13. Alguem pode ter estranhado o fato do meu top 10 não ter contemplado nenhum dos filmes da trilogia Sabata. Quero dizer que sou fanzaço dos filmes do diretor Parolini. Escrevi até uma análise do segundo da série "Indio black sai que ti dico..." ou simplesmente Sabata adeus para o blog bangbangaitaliananobrasil de nosso amigo Edelzio Sanches. Poderia tranquilamente ter escolhido um deles ou até os três mesmo,porque estão à altura de muitos que optei. Mas vi que já haviam sido contemplados, um ou outro, em outras listas dos amigos. quanto a "Tutto per tutto" digo a você Pedro que é muito bom,divertidíssimo e ainda por cima com muita ação e um roteiro bem criativo.

    ResponderEliminar
  14. Caro Aprigio,

    Concordo com você quando comenta algumas das características gerais dos dois Ringos. Gosto dos dois. E como você frisou, de certo modo, um para cada momento. Agora esse "Tutto per tutto" eu ainda não vi. Vou começar a procurá-lo.

    Abraço!

    LeMarc

    ResponderEliminar
  15. "Tutto per tutto" com Mark Damon e John ireland foi exibido na tv Globo como tudo por tudo, foi lançado tambem em vhs com o mesmo título se não me engano pela Centuri Video. Eu assisti na tv (Globo) se não me engano em 1979, e tambem em vhs.Mas tenho notícias que foi lançado também em dvd com o título "Todos por todos". Na pirataria se encontra esse último.É provável que já tenha sido lançado na Europa.

    ResponderEliminar
  16. Não creio que tenha sido editado cá no velho continente. Fiz alguma pesquisa e apenas me deparei com algumas vhs.

    Sei que o filme estava disponível via megaupload (desconheço como estaria a imagem/som). Mas com o encerramento desse portal na semana passada, também essa fonte secou.

    --
    Pedro Pereira

    http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
    http://auto-cadaver.posterous.com

    ResponderEliminar
  17. Com certeza a edição que estava diponível pela megaupload (que o governo americano infelizmente resolveu tirar de circulação)é a que foi baixada e pirateada. Você pode encontrar no site "Cinema del west" de Leandro S. com uma qualidade muito ruim. A abertura que é em pintura animada semelhante à de "O dólar furado" foi quase totalmente cortada, restando apenas os nomes dos dois atores principais. Lembro que é uma abertura bem criativa com os pistoleiros sacando em meio a mesas e cartas de baralho. O roteiro do filme foi bolado à semelhança de um jogo de pôquer, em que jogadores fazem suas apostas,uns perdem outros ganham. Personagens são trabalhados como personagens das cartas de baralho, lançadas num jogo de ambição e morte para conseguir encontrar uma fortuna em ouro roubada por bandidos e escondido num lugarejo. Excelente, mas bastante prejudicado nessa cópia mal pirateada. Mas para o estudioso vale a pena conferir até para poder comparar.

    ResponderEliminar